Emprego e grafia dos porques

            · Por que: usamo-lo nas frases interrogativas diretas (equivale a por qual motivo, por qual razão), nas frases interrogativas indiretas, e quando equivale às locuções pelo qual ou pela qual:

            a) frases interrogativas diretas (indica entoação interrogativa, termina por “?”:

            (1) Por que a língua portuguesa é complicada? (2) A língua portuguesa é complicada, por que? (3) Por que o leite materno é importante ao bebê? (4) O leite materno é importante ao bebê, por que?

            b) frases interrogativas indiretas (não terminam por ponto de interrogação):

            (1) Tu sabes por que o leite materno é importante ao bebê. (2) “Sofia não sabia bem por que mas sentia que guardaria para si aquela história da Hilde.” (Jostein Gaarder, alterado) (3) Sofia sentia que guardaria para si aquela história da Hilde não mas sabia bem por que.

            c) usamos por que quando equivale às locuções pelo qual ou pela qual:

            (1) “Três motivos por que é recomendável uma empresa apurar seus custos: conhecer o preço mínimo de venda, fazer orçamento de capital de giro e comparar a evolução do custo.”1 (por que = pelos quais) (2) O procurador investigará as razões por que  a TMC acelerou a licitação (por que = pelas quais).

            1. Egídio, https://br.answers.yahoo.com, alterado.

          Observações:

            a) Nas frases interrogativas indiretas, a interrogação está subentendida na oração: facilmente a descobrimos se transformarmos a interrogativa indireta em interrogativa direta: (1) Por que o leite materno é importante ao bebê? (2) Por que, aqui, seus cheques são bem-vindos?

            b) Não vislumbramos a possibilidade de usarmos o por que nas orações subordinadas substantivas objetivas indiretas porque os períodos ficam sem coesão:

            (1) Empenhei-me por que ele fosse aprovado. (2) Empenhei-me para que ele fosse aprovado. (3) Empenhei-me por sua aprovação.

            (1) não está coesão: por não é o conectivo adequado para ligar a oração subordinada adverbial final destacada à principal; (2) está coeso: o conectivo para liga perfeitamente a oração subordinada à oração principal; e (3) também está coeso: o termo destacado é objeto indireto porque se liga pela preposição por ao verbo empenhar.

·   Porque: usamo-lo como conjunção nas respostas ou como palavra substantivada:

            a) como conjunção coordenada explicativa (liga duas orações se a segunda explica a primeira): (1) “Uma pessoa em coma não é doadora de órgãos porque o coma é reversível.” (2) “Muitos sismólogos dizem que não é possível prevermos os terremotos porque a crosta da Terra é muito heterogênea.”

            b) como conjunção subordinada adverbial causal (liga duas orações se a segunda expressa a causa da primeira): (1) A reciclagem protege o meio ambiente porque ela reutiliza os materiais. (2) As casas foram destruídas porque a tempestade foi fortíssima.

           c) como palavra substantivada (significa causa, motivo, razão): a conjunção porque é substantivo se exerce função sintática própria de substantivo (sujeito, predicativo do sujeito, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal ou aposto):

        (1) “Um PlayStation 3 a US$ 320 mil! Calma, há um porque: ele é de ouro e possui 58 diamantes.” (2) Existem alguns porques a explicar. (3) Há dois porques para a tua aprovação.

        Outros exemplos: (1) “Não sei porque mas gosto de personagens difíceis.” (2) “Quem poderá apropositar metter a caminho respostas e porques apaixonados.”1

1. Frei João de Ceita, Quadragenas, part. I, 227, col. 4.

         Fundamentações: Nas razões para a existência segundo a língua portuguesa de apenas dois porques consideraremos: (1) gramáticas antigas, (2) dicionários antigos, (3) substantivação das palavras, (4) por que o porquê e o por quê são acentuados, (5) Quais regras são aplicadas às locuções interrogativas e às conjunções?, (6) acordos ortográficos e (7) conclusões.

           (1) gramáticas antigas:

·   João de Barros, editada em 1540, autor da primeira gramática da língua portuguesa, em sua obra usou três tipos de porques: 119 por que, 8 per que e 1 porque; analisemos algumas citações desse autor:

            pergunta direta: (1) “Da sinificaçám... averbios de preguntár: como, por que.” (pág. 28).

            pergunta indireta (em lugar de pelo(s) qual(is)/pela(s) qual(is): (2) “Será também calidáde em o nome: a distinçam per que apartamos o substantivo do aietivo (adjetivo).” (pág. 6). (3) “Genero em o nome é huma distinçã per que conhecemos o macho da fêmea e o neutro dambos.” (pág. 9).

            respostas: (4) “Declinaçám acerca da nossa linguagem quer dizer variaçám, por que quando variamos o nome de hú caso ao outro em o seu artigo, entã ô declinamos...” (pág. 13). (5) “Os nomes da segunda declinaçam sam mais dificultosos de formar que os da primeira, por que deixam leteras e tomam leteras per esta maneira.” (pág. 13). (6) “Este módo passivo nã é mais, que hum converter o auto (autor) do verbo ás vessas do que fáz o módo autivo: porque tanto é em sinificádo, eu amo a verdade, como, a verdade é amada de my.” (pág. 18). (João de Barros, Grammatica da Lingua Portuguesa, Olyssippone (Lisboa), 1540, 120 páginas apud https://www.iel.unicamp.br/biblioteca/gramatica, negrito nosso)

           Como observamos, João de Barros usou três porques: por que separado para perguntas e para respostas, usou per que em lugar de pelo(s) qual(is) e usou um porque junto para resposta, exemplo (6). Não sabemos os motivos (ele não citou em sua gramática) por que ele usou per que pois a preposição latina per já havia se transformado na preposição portuguesa por, portanto não havia razões para usá-la, e acreditamos que ele usou um porque junto por engano, por erro de digitação, pois a oração do exemplo (6) é causal como as orações dos exemplos (4) e (5).

          Se considerarmos que per é igual a por, o per foi transformado em por, João de Barros usou por que único em sua gramática.

         ·  Jeronymo Barboza em sua gramática, publicada em 1822, usou dois tipos de porques: 308 porque juntos e 12 por que separados; analisemos algumas citações desse autor:

         perguntas diretas: (1) “E se este he manifestamente Adjectivo, porque o não serão os outros, ainda que sejão invariaveis?” (pág. 109). (2)Porque não poderáõ fazer o mesmo os pensamentos, quando precizão elles mesmos de ser modificados por hum adjectivo?” (pág. 190). (3)Porque essas honras vãs, esse ouro puro / Melhor he merecêl-os sem os ter / Que possuil-os sem os merecer.” (Luis de Camões apud pág. 380). (4)Aonde vás tu? Porque?” (p. 407).

         perguntas indiretas: (5) “O terceiro modo, porque se alterão os vocabulos, he a Transposição, chamada Metathese pelos Gregos.” (pág. 24). (6) “não sei a razão, porque se escrevem com elle (com o h) deste modo: Hum, , Cahir...” (pág. 71). (7) “Que, não tendo elles (os apelativos) por si caracter algum individual, por que se possão considerar como substancias á maneira dos Nomes Proprios; nunca se podem empregar como sujeitos da Oração sem serem precedidos do Artigo...” (pág. 117). (8) “...em todas, digo, se entende sempre a frase imperativa, Dize-me o preço por quanto, O modo como,  O lugar aonde, A razão por que, O tempo quando...” (p. 407).

           respostas: (9) “Assim quando digo: Pedro he bom; não quero dizer que Pedro he bom Pedro; porque isto daria a entender que há Pedro bom, e Pedro máo...” (pág. 139). (10) “Quando por exemplo digo: Deos justo; o adjectivo justo he explicativo; por que modifica o substantivo Deos com uma idea, que ja tinha. Quando porêm digo: Homem justo; o mesmo adjectivo já não he explicativo, mas restrictivo; porque a idea de justiça não se contêm necessariamente na idea de homem...” (pág. 179). (11) “Assim na pontuação desta mesma Regra se acha entre virgulas a oração Isto he; por que está encravada na principal sem della depender para a sua perfeição grammatical.” (p. 89). (12) “Chamo Frases, ou Formulas Conjunctivas todas aquellas, que constão de mais de huma palavra, e que ordinariamente terminão pel’o Que, como: Bem que, Se bem que, Porque, Posto que...” (p. 348).

            substantivado: (13) “O artigo definido substantiva qualquer parte da oração e orações inteiras para poderem ser o sujeito ou objeto do discurso... Substantiva as Preposições, como: O amor não está no por isso, está no porque.” (pág. 147). (BARBOZA, Jeronymo Soares, Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza, ou Principios da Grammatica Geral Aplicados á Nossa Linguagem, Tipographia da Academia das Sciencias, Lisboa, 1822 apud https://www.iel.unicamp.br/biblioteca/gramatica, negrito nosso)

Conforme exemplos citados Jeronymo Barboza usou porque junto e sem acento para perguntas diretas, para perguntas indiretas (inclusive em lugar de pelo(s) qual(is), para respostas e como substantivado. Não sabemos os motivos (ele não citou em sua gramática) por que ele usou também 12 por que separados para perguntas indiretas (mais precisamente em lugar de pelo qual), conforme exemplos (7) e (8), pois se ele usou diversas vezes o porque junto em lugar de pelo qual, não seria coerente usar também 12 por que separado em lugar pelo qual. Acreditamos que ele contrariou sua consciência para não discordar totalmente do João de Barros, pois este usou por que único separado, Jeronymo usou porque único junto.

Não existem em sua gramática porque junto ou separado e que acentuados, seja porque foi substantivado, ou porque foi deslocado para o fim de uma pergunta.

·   Francisco Evaristo Leoni em sua obra, editada em 1858, usou três tipos de porques: 76 porque para respostas, 16 porque para perguntas indiretas, 2 por que (1 para pergunta indireta e 1 para resposta), e 1 porquê substantivado; analisemos algumas citações desse autor:

            perguntas indiretas: “Capitulo XIII. Da maneira porque formam o plural os nomes adjectivos.” (pág. 123). (2) “Para podermos entrar no conhecimento da formação dos superlativos portuguezes, cumpre que tractemos em primeiro logar da maneira porque os mesmos se formam em latim.” (p. 126). (3) “Capitulo XII. Da maneira por que formam o plural os nomes substantivos.” (p. 116).

          respostas: (4) “Os nomes que terminam em a, como pátria, vida, gloria, sam do genero feminino; porque proveem geralmente dos latinos da 1ª declinação que teem esta desinencia, e pertencem ao genero feminino.” (pág. 99). (5) “Verdadeiramente nós não é plural de eu; porque nós quer dizer: eu e mais outro ou outros indivíduos alheios e distinctos de mim. Em rigor, o plural de eu é eus...” (p. 197). (6)Ago é ainda uma voz composta...; vindo, por tanto, a significar rigorosamente: eu sou ponta, e, por figura, a dizer eu obro, faço, movo, etc. – Nem cause isto extranheza; por que sendo a idea de obrar, fazer, etc., uma das primarias, devia necessariamente ser representada de uma maneira figurada...” (p. 176).

            substantivado: (7) “É tal a propriedade que a lingua tem de substantivar todas as palavras que até dos tempos dos verbos, de uma partícula, ou de outra qualquer parte da oração, podemos formar um nome substantivo; v. gr. Mais vale um toma que dois te darei; (1) os comes e os bebes; os dares e os tomares; (2) o sim e o não; o quê e o porquê; os itens e os provarás; os prós e os contras, etc.” (p. 95). (LEONI, Francisco Evaristo, Genio da Lingua Portugueza, ou Causas Racionaes e Philologicas de Todas as Formas e Derivações da Mesma Lingua, tomo 1, Typographia do Panorama, Lisboa, 1858 apud Coleção “gramáticas”, iel.unicamp.br, negrito nosso)

            Conforme exemplos citados Francisco Evaristo usou porque junto para perguntas indiretas em lugar de pelo(s) qual(is), exemplos (1) e (2), usou porque junto para respostas, exemplos (4) e (5), e usou 1 quê e 1 porquê substantivados acentuados, exemplo (7).

            Não sabemos os motivos (ele não expôs em sua gramática) por que usou também 1 por que separado para pergunta indireta, em lugar de pelo qual, exemplo (3), e 1 por que separado para resposta, exemplo (6), pois se ele usou 16 vezes o porque junto em lugar de pelo qual, e usou 76 vezes o porque junto para respostas, não seria coerente usar também 1 por que separado em lugar pelo qual e 1 por que separado para resposta. Acreditamos que ele usou esses 2 por que separados por engano, por erro de digitação, pois o exemplo (3) é igual ao exemplo (1), e o exemplo (6) é igual aos exemplos (4) e (5).

            Em resumo Francisco Evaristo usou 2 porques: porque junto para perguntas e para respostas, e porquê acentuado como substantivado. Ressaltamos: era sua obrigação explicar a causa por que ele acentou o porquê e o quê substantivados, pois o nome do seu livro é Gênio da Lingua Portugueza, ou Causas Racionaes e Philologicas de Todas as Formas e Derivações da Mesma Lingua.

          · Julio Ribeiro em sua obra, publicada em 1899, 5ª edição, usou dois tipos de porques: 5 porque para perguntas diretas, 2 porque para perguntas indiretas, 5 por que em lugar de pelo(s), qual(is), pela(s) qual(is) e 26 porque para respostas; analisemos algumas citações desse autor:

         pergunta direta: (1) “Pois o que se dá na lexeologia, porque se não dará na syntaxe?” (pág. 249) (2)Porque esta aphésere? Qual a sua razão de ser?” (p. 351) (3)Porque Diez ensinou que o vem de ille?” (p. 355)

         pergunta indireta: (4) “Eis o que nos explica porque ás perguntas Sois vós a mãe deste menino? ou Sois vós a doente? torna-se necessário responder Eu a sou, isto é, Eu sou a pessôa de que fallais...” (p. 263) (5)Não sei porque arrisca (ou arrisque) elle tamanhos capitães.” (p. 274)

         pergunta indireta (em lugar de pelo(a) qual): (6)Pessôa é a maneira por que se relaciona o sujeito com o predicado.” (p. 70) (7) “A flexão com estas desinencias rege-se pelas mesmas leis por que se governa a que foi feita com as principaes.” (p. 104)

         respostas: (8) “Ha certos collectivos que se podem chamar especiaes, porque se applicam mais particularmente a uma cousa do que a outra.” (p. 64) (9) “As clausulas adverbios de causa começam pelas conjunções porque, por quanto, ou por qualquer locução conjunctiva equivalente, ex.: ‘Gasto muito dinheiro, porque sou rico.’” (p. 226). (10) “Sobre a etymologia de algures, alhures, nunhures, nada aqui adduzo, porque a esse respeito escrevi em Francez uma memória que vou mandar para uma revista de philologia.” (p. 350) (RIBEIRO, Julio, Grammatica Portugueza, editor Miguel Melillo, 5ª edição, São Paulo, 1899 apud https://www.iel.unicamp.br/biblioteca/gramatica, negrito nosso)

Segundo os exemplos citados Julio Ribeiro usou dois porques: porque junto para perguntas e para respostas, e usou por que separado em lugar de pelo(s) qual(is)/pela(s) qual(is).

           · M. Said Ali em sua obra, editada em 1931, usou dois tipos de porques: 1 porque para pergunta direta, 1 porque para pergunta indireta, 4 por que para perguntas indiretas e 12 porque para respostas; analisemos algumas citações desse autor:

            pergunta direta: (1) “A causa da longa vitalidade das formas duplas, conquanto não esteja explicada, deve, todavia, ser de ordem psychologica, e não physiologica. Concorreu a analogia; mas porque se manteve o luxo das formas parallelas?” (p. 34)

            Textos de outros autores que ele citou em sua gramática: “Porque is aventurar ao mar iroso essa vida que é minha e não é vossa? (Luis de Camões, 4, p, 91 apud p. 103). “– Sabe, estou com idéa de mudar de casa. – Mudar de casa! Ora essa! Por que?” (E. de Queiroz, Crime, 133, apud p. 104). “Porque fuges de my?” (S. Mar. Eg. Na Ver. Lus. 20, 189 apud p. 142). “– Pois se as espadas erão duas e ambas aceitadas e aprovadas por Christo, como necessárias, porque prohibio o Senhor a segunda...” (Vieira, Serm. 2, 11 apud p. 162)

            pergunta indireta: (2) “Entre as subordinativas integrantes separamos que, partícula da asserção (sei que elle virá), de se, como, quando, porque, partículas da duvida ou interogação indirecta (não sei se virá, quando virá, como virá, porque virá). As três últimas são advérbios interrogativos com applicação secundaria...” (p. 257)

            pergunta indireta (em lugar de pela qual): (3) “Cabe á grammatica histórica traçar e explicar, primeiro que tudo, as diversas modificações por que passaram os phonemas de uma lingua no decorrer dos seculos.” (p. 20). (4) “Não dissocio do homem pensante e da sua psychologia as alterações por que passou a linguagem em tantos seculos.” (p. III).

          respostas: (5) “Camões não foi propriamente o creador do portuguez moderno porque essa nova linguagem escripta já vinha empregada por outros escriptores.” (p. 4). (6) “Em principio, os nomes proprios de pessoas não levam artigo, porque aquelle a quem falo em geral não conhece, uma a uma, as pessoas que eu conheço.” (p. 134). (ALI, M. Said. Grammatica historica da língua portugueza. São Paulo: Melhoramentos. 2ª Ed. Melhorada e augmentada, editada em 1931, São Paulo (a primeira edição, publicada em 1921, recebeu 1º premio Francisco Alves de 1921 e de 1927 apud https://www.iel.unicamp.br/biblioteca/gramatica, negrito nosso)

            Conforme exemplos citados M. Said Ali usou porque junto para pergunta direta, exemplo (1), para pergunta indireta, exemplo (2), e para respostas, exemplos (5) e (6), e usou por que separado em lugar de pelo(s) qual(is), exemplos (3) e (4). Lamentamos profundamente sua omissão sobre o uso do porque substantivado pois como seu livro era uma “Grammatica histórica”, e como ele mesmo afirma que “Cabe á grammatica histórica traçar e explicar, primeiro que tudo, as diversas modificações por que passaram os phonemas de uma lingua no decorrer dos seculos”, ex. (3), era seu dever informar a história completa do porque, inclusive seu uso substantivado. Ressaltamos que adiante ele cometerá outra grave omissão, pois acentuou quatro locuções interrogativas deslocadas (para quê, de quê, com quê e a quê), sem dá qualquer explicação aos seus leitores, embora tenha afirmado que “Nenhuma alteração requer o interrogativo que quando regido de preposição; esta, como palavra proclítica que é, basta para reviver a tonalidade amortecida dos pronomes...” e embora não tenha acentuado o por que e o porque interrogativos que usa.

             Em resumo M. Said Ali usou 2 porques: porque junto para perguntas e para respostas, e por que separado em lugar de pelo(s) qual(is), pela(s) qual(is).

          (2) dicionários antigos:

             · Raphael Bluteau, publicado em 1720: “PORQUE. Porque razão? Cur? Quare? Como Indicativo, ou Subjunctivo, conforme o sentido. Logo porque razão usais deste fingimento? Cur fimulas igitur? Terente. Porque razão não farias tu isto? Cur id non facias,  ou quare hoc non faceres? Mas porque razão andàra eu disfarçado, ou mascarado? Quid est ergo, cur ego perfonatus ambulem? Cic. Porque razão accusais ou outros? Quid ” “Quizera eu saber porque razão deixou Zeno aquelle antigo methodo de ensinar.” Porque, id e st, por quanto. Quia , ou quòd, ou quoniam. Cic. “De noyte andava passeando, porque não podia dormir.”  Porque, às vezes vai o mesmo que para que (E porque vos consoleis dobradamente. Vieira, tom I, 339). “Porque razaó naó apressas a tua vinda para estas partes?” (p. 622) (Raphael Bluteau, Vocabulário Portuguez e Latino, volume 6, pág. 622, 1720, apud brasiliana.usp.br. “QUE. Hum naó sey que. Aquele naó sey que. Saó modos de fallar, quando naó expressamos claramente algúa cousa. Sinto naó sey que, Sentiu nescio quid. Cicero diz: Nescio quis, Hum naó sey quem). “. Que aperto naó deyxa perder de vista huns naó sey ques, que a alma sente?” (D. Franc. De Portug. Pris. & Solt. 17) Aquelle imperio de húa Dama, aquelle ser, aqueles naó sey ques taó Divinos, como respeytados. (Id. Carta a hum amigo, pag. 38, apud Raphael Bluteau, Vocabulário Portuguez e Latino, volume 7, pág. 31, 1720)

            Raphael Bluteau usa porque e que únicos (perguntas, respostas e substantivados): Não existem porquê, por que, por quê e quê neste dicionário.

           · Antonio de Moraes, editado em 1789, “PORQUE, fr. adv. em que por ellipse faltão os nomes causa, rasão usa-se interrogando. § it. Pór quanto. §  Em vez de para que v. g. “porque possa melhor certificar-me” Vieira. § Os porques i. e. as causas. H. Dom. 3, p. L. 1. c. II. § Porquès, era huma poesia, ou libello satirico, que começava em artigos, pela palavra. Porque v. g., “Porque o rico avarento, Não socorre aos miseráveis? v. Ulisipo Comed. f. 2. v. “Segundo cá os vossos romances, e porquès. Caftán. L. 7. c.4. f. VI. c. I. “em huns porquès, que alguns praguentos fizerão na India.” (Diccionário da Língua Portugueza composto pelo padre-doutor Rafael Bluteau, reformado e accrescentado por Antonio de Moraes Silva, Lisboa, vol. 2, 1789, pág. 220, apud https://www.brasiliana.usp.br/dicionario)

            Conforme verbete, Antonio de Moraes usa porque único: porque para pergunta: “PORQUE, fr. adv. em que por ellipse faltão os nomes causa, rasão usa-se interrogando”, e porque como substantivo: “Os parques i. e. as causas”, cita também frases de autores literários que usaram porquè substantivado com acento grave.           

          Outros exemplos: (1) “EXORDIO, s. m. a entrada, ou principio de hum discurso. § f. Principio, modo porque começou alguma coisa.” (vol. 1, p. 583). (2)Leis Civis são aquellas porque se rege cada Estado, Reino, Nação.” (Diccionário da Língua Portugueza, Antônio de Moraes Silva, Typographia Lacerdina, 1789, vol. 2, p. 13 apud https://www.brasiliana.usp.br/dicionario)           

          Textos de outros autores citados por Antonio de Moraes: (1)porque es triste minha alma, e porque me conturbas?” (Flós Sant. pag. XCII. vol. 1, apud Silva, Antonio de Moraes, vol. 1, pág. 325). (2) não ha entendimento humano, que possa não digo penetrar, mas nem rastejar os porquès de Deus” (Costa Vug., vol. 2, p. 287)

·   Antonio de Moraes, editado em 1813: “Porquè: frase adverbial, em que por sillepse faltão os nomes causa, razão; usa-se interrogando. §. it. Por quanto. § Em vezes de para que: v. g. porque possa melhor certificar-me. Vieira. §. Os porques: i. e, as causas. H. Dom. P. S. L. X: c. it. § Porquès era uma poesia, que começava em artigos pela palavra porque: v. g. Porque o rico avarento, não socorre os miseráveis?” V. Ulis. Coned, f. 2. y. “Segundo cá os vossos romances e porquès” Cast. L. 7. c. 4. f. VI. i. t. em bons porquès que alguns praguentos fizerão na Índia. § Sem porque: v. g. “ferir, matar sem porque:”, i. e. sem razão, causa, motivo. Ord. f. 5. Tic. 32 “Anda mal, porque tanto porquè há” Ferr. Cioso. 2. 3.” (Diccionário da Língua Portugueza, Antônio de Moraes Silva, Typographia Lacerdina, Lisboa, vol. 2, pág. 472, 1813, apud brasiliana.usp.br)

            Conforme verbete, Antonio de Moraes usa dois porques: porquè em frases interrogativas (“frase adverbial... usa-se interrogando”), e porque como substantivo (os porques e sem porque); cita também frases de autores literários: porque junto e sem acento para pergunta, e porquè com acento grave como substantivo. Sua proposta é totalmente contrária à dos outros autores, pois ele foi o único autor que acentuou o porque interrogativo com acento grave (porquè): os outros autores sequer acentuaram o porque interrogativo com circunflexo (porquê). Destacamos também que o porque interrogativo que ele usou nesta edição contraria o porque interrogativo que ele usou na edição de 1789, citada anteriormente: em 1789 ele usou porque interrogativo sem acento, em 1813 ele usou porquè interrogativo com acento grave; e que Antonio de Moraes usa que único.

·   Luiz Maria, editado em 1832: “Porque: adv. Pela qual razão, pela qual causa. Por quanto, para que. Por qual causa?” “Aluguel, s, m. Acção de alugar. O preço porque se aluga alguma cousa.” (pág. 9). “Tonoa, s f. Concerto das vasilhas das adegas. Ignora-se porque não será Tunoa?” Que adj. relativo, que se refere ao substantivo antecedente, e diz o mesmo que qual. As vezes se usa como particula depois dos verbos.” (Pinto, Luiz Maria da Silva, Diccionario da Lingua Brasileira, Typographia de Silva, Outo Preto, 1832, apud brasiliana.usp.br).

            Luiz Maria usa porque e que únicos: não existem porquê, porquè, por que, por quê e quê neste dicionário.

·   Domingos Vieira, edição 1873: “1.) PORQUÊ, s. m. Razão, causa, motivo. – Os porquês; as causas, as razões sufficientes. – Sem porquê; sem causa, sem motivo. – Os porquês; nome de uma poesia ou libello satyrico, porque começavam os artigos pela palavra porquê. 2.) PORQUE, loc. conjuntiva em que pela figura ellipse faltam os nomes causa, motivo, razão: usa-se interrogando muitas vezes... ‘E a causa foi, porque apparecendo Fernão Peres a tiro delle, mandaram-lhe os Mouros que tirasse; e porque o não quis fazer, posto que o ameaçavam com o que lhe fizeram, quis antes salvar a alma que a vida.’ Barros, Decada, liv. 9, cap. 1. ‘A preposição por, e o pronome relativo que. — Após isto perguntado hum dos dous Portugueses, porque o outro estava como morto, cujos filhos eráo aquelles mininos, e como vieráo ter ao poder daquello ladrão, e como se elle chamava, respoudeo que o ladráo tinha dous nomes, hum do Christão, o outro de gentio, o de gentio porque se então nomeava era Necodá Xicaulem, e o de Christáo era Francisco de Saa.’” (Fernão Mendes Pinto, Peregrinações, cap. 40, apud Domingos Vieira, Grande Diccionario Portuguez, Porto, vol. 4, pág 851, apud brasiliana.usp.br). “Que mi digades porque nom chegades as testemunhas.” (Doc. de Salzedas de 1288, Domingos Vieira, Grande Diccionário Portuguez, Porto, pág. 201, vol. 2, 1873, apud brasiliana.usp.br)

            Domingos Vieira usa dois porques: porquê (substantivado) e porque (perguntas e respostas), usa também que único; não existem por que, por quê e quê no Grande Diccionário Portuguez.

(3) substantivação das palavras segundo a língua portuguesa:

No período simples, os substantivos geralmente exercem as funções sintáticas sujeito, objeto direto, objeto indireto, predicativo do sujeito, complemento nominal, aposto, ou seja, praticam ações, complementam verbos, complementam nomes, etc. As outras palavras (adjetivo, conjunção, pronome, verbo, advérbio, etc.) serão substantivos se no período exercerem aquelas funções sintáticas.

A condição única para que as outras classes de palavras sejam substantivos é elas exercerem funções sintáticas próprias dos substantivos. Se as outras classes de palavras exercem tais funções, elas automaticamente são substantivos, ou seja, nenhum outro ato é necessário para complementar a substantivação, como por exemplo acentuar a palavra substantivada. Se no período o porque, ou o que ou qualquer outra palavra exerce função própria de substantivo, eles são substantivos, isto é, nada mais segundo a língua portuguesa é necessário fazermos. A substantivação muda apenas a classe da palavra e a função sintática, a substantivação não altera a pronúncia e a ortografia. Na língua portuguesa não existe a relação substantivação => acentuação, ou seja, a causa substantivar não produz o efeito acentuar, isto é, mudar a função sintátca de determinadas palavras não produz o resultado acentuá-las.

O porque e o que não desfrutam nenhum privilégio, nenhuma prerrogativa, em relação às outras classes de palavras: o porque e o que são palavras iguais às outras (adjetivo, advérbio, preposição, conjunção, verbo etc.). Se as outras palavras quando são substantivadas não são acentuadas, e não é necessário que sejam, por que apenas o porque e o que seriam acentuados? No latim, na língua portuguesa e nas línguas estrangeiras, não existe fundamento objetivo para isso: o porque e o que substantivados são os mesmos, suas pronúncias são as mesmas, a ortografia é a mesma, nada absolutamente ocorre com as duas palavras que justifique sua acentuação. Se existisse alicerce na língua portuguesa para acentuarmos as palavras substantivadas, todas as palavras e a todas locuções substantivadas seriam acentuadas.

            Analisemos alguns exemplos:

            (1) “O mundo foi tirado do nada.”1 (2) No texto havia um me, dois tes, um se e três lhes, pronomes pessoais oblíquos. (3) Armandinho pincela “Volume 5” com um que de rock. (4) “A natureza fez o comer para o viver, e a gula fez o comer muito para o viver pouco...”2 (5) “Sim tu és tudo para mim.. és o meu sim, és o meu não.”3 (6) “O amor não está n’o por isso, está n’o porque.”4 (7) Existem alguns porques para explicarmos. (8) Sempre existe um porém ou um mas. (9) No artigo “O cérebro humano” havia dois só ques, três visto ques e vários assim ques, locuções conjuntivas.

            Nesses períodos os termos destacados (pronomes, verbos, conjunções, locuções conjuntivas) são substantivos, ou seja, exercem funções próprias dos substantivos (em (1) nada é objeto indireto, em (2) me, tes, se, lhes são núcleos do sujeito, em (3) que é núcleo de locução adverbial, em (4) tudo, sim e não são predicativos do sujeito), mas não são acentuados porque na língua portuguesa as palavras que não são substantivos não são acentuadas, quando exercem funções sintáticas próprias dos substantivos. Se existisse a regra as palavras que são substantivadas são acentuadas, todas aquelas palavras seriam assim escritas:

            o náda, um , dois tês, um , três lhês, um quê, o comêr, o vivêr, túdo, sím, não com acento diferente,  o pôr ísso, o porquê, alguns porquês, um porêm (com circunflexo para diferenciar da cojunção  porém), um más, dois só quês etc., mas como aquela regra não existe, essas palavras não são acentuadas, salvo o porém.

            Outros exemplos: (1) Eu só tenho tu como auxiliar. (2) O saber sempre foi importantíssimo ao ser humano. (3) O muito torna-se pouco se é mal administrado. (4) Não sabemos o quando, o como, o quanto.”5 (5) “Litoral paraibano tem beleza de sobra e ainda mantém um que de inexplorado.”6

            “Qualquer palavra pertencente a qualquer categoria das partes do discurso torna-se substantivo, quando usada como nome de uma cousa distincta, ex.: “Vives é um verbo”: neste exemplo “vives” é substantivo, porque é usado para indicar uma palavra particular.”7

            1. BARBOZA, Jeronymo Soares, Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza, Tipographia da Academia das Sciencias, Lisboa, edição 1822, pág. 147; 2. idem; 3. GRANJA, Teófilo, https://www.youtube.com, 7.6.2012; 4. BARBOZA, Jeronymo Soares, edição 1822, pág. 147; 5. BARBOZA, Jeronymo Soares, idem; 6. www.atarde.com.br, 29.4.2010; 7. RIBEIRO, Julio, Grammatica Portugueza, editor Miguel Melillo, 5ª edição, São Paulo, 1899, p. 62, apud Coleção “gramáticas”, iel.unicamp.br, negrito nosso.

            Observações:

            a) Os deslocamentos de locuções para o fim de frases interrogativas ou exclamativas não acentuam as palavras:

            Na língua portuguesa as locuções não possuem lugar fixo no período, ou seja, há liberdade, a língua permite que desloquemos, salvo exceções, as locuções para quaisquer partes das frases interrogativas ou exclamativas, inclusive para o fim, sem acentuá-las. As locuções o que, por que, de que, para que etc. não desfrutam nenhum privilégio em relação às outras (locuções interrogativas, locuções substantivas, locuções adjetivas, locuções conjuntivas, locuções adverbiais etc.). Se deslocamos várias locuções ou várias palavras mas não as acentuamos, por que acentuaríamos apenas as locuções o que, por que, de que, para que deslocadas para o fim do período? No latim, na língua portuguesa e até nas línguas estrangeiras, não existe fundamento objetivo para isso. Se existisse a regra “as locuções são acentuadas quando são deslocadas para o fim dos períodos interrogativos ou exclamativos”, todas as locuções deslocadas seriam acentuadas.

            Ressaltamos ainda que o ponto de interrogação (?) e que o ponto de exclamação (!) não acentuam as palavras, não exercem qualquer ação sobre a ortografia ou sobre a pronúncia das palavras que foram deslocadas perto de si. O ponto de interrogação e o ponto de exclamação exclusivamente informam que a entoação da leitura é interrogativa ou exclamativa. Segundo a língua portuguesa nenhuma locução é acentuada porque foi deslocada para antes desses sinais ou de quaisquer outros. A regra que estabelece que as locuções o que, a que, por que, de que, para que etc. são acentuadas quando estão antes daqueles sinais não está fundamentada na língua portuguesa, aliás, ela contraria regras da própria língua, é um obstáculo ao aprendizado: as palavras são acentuadas exclusivamente segundo as regras de acentuação.

Analisemos alguns exemplos:

            (1) Que compraste, Marta? (2) Marta, que compraste? (3) Marta, compraste, o que? (4) Por que, Marta, trabalhaste muito? (5) Marta, por que, trabalhaste muito? (6) Marta, trabalhaste muito, por que? (7) De que, Marta, reclamas? (8) Marta, de que, reclamas? (9) Marta, reclamas de que(10) Para que, Marta, compraste o presente? (11) Marta, para que, compraste o presente? (12) Marta, compraste o presente para que?

Nos períodos (3), (5), (6), (8), (9), (11) e (12) as locuções interrogativas foram deslocadas para o meio e para o fim do período, mas não são acentuadas porque não existe regra objetiva que estabeleça que as locuções deslocadas são acentuadas.

           Segundo o “Dicionário onli de português” e o “Dicionário Michaelis”, o que também é acentuado se estiver no fim de locução interjetiva, “O quê! Qual quê!”, mas igualmente não há fundamento objetivo para isso na língua portuguesa.           

Outras locuções interrogativas: Além das locuções abaixo citadas, há várias dezenas de outras locuções interrogativas formadas por preposições (a, até, ante, após, com, contra, de, desde, em, entre, para, perante, sem, sob, trás) e por pronomes interrogativos (que e quem):

(13) Com que, Marta, compraste o presente? (14) Marta, com que, compraste o presente? (15) Marta, compraste o presente com que? (16) Em que, Marta, trabalhaste muito? (17) Marta, em que, trabalhaste muito? (18) Marta, trabalhaste muito em que? (19) Sobre que, Marta, conversaste com o Paulo? (20) Marta, sobre que, conversaste com o Paulo? (21) Marta, conversaste com o Paulo sobre que? (22) A quem, Marta, compraste o presente? (23) Marta, a quem, compraste o presente? (24) Marta, compraste o presente a quem? (25) Contra quem, Marta, jogaste? (26) Marta, contra quem, jogaste? (27) Marta, jogaste contra quem? (28) De quem, Marta, compraste o presente? (29) Marta, de quem, compraste o presente? (30) Marta, compraste o presente, de quem? (31) Para quem, Marta, compraste o presente? (32) Marta, para quem, compraste o presente? (33) Marta, compraste o presente para quem?

            (1) “Brilhava no céu sem nuvens a lua.” (2) É uma dádiva divina o belo. (3) “Muitos na vida, e em terra estranha e alheia / Os ossos para sempre sepultaram.”1 (4) “Já propuseram várias teorias à previsão de terremotos, todas sem sucesso, contudo.”

            Nesses períodos as palavras destacadas foram deslocadas para o fim mas igualmente não são acentuadas (lúa, bélo, sepultáram e contúdo), porque não existe regra que estabeleça que as palavras deslocadas são acentuadas.

1. Camões, Lusiadas, Cant. V, Est. 81 apud Júlio Ribeiro, negrito acrescentado.

Textos de gramáticas antigas:

(1) Jeronymo Barboza, editada em 1822: “As preposições mais usuaes são seis, a saber: a, para, por, de, com, contra, com as quaes, e com seus conseqüentes se responde ás perguntas, que naturalmente se farião a quem empregasse huma destas palavras relativas sem termo algum, que completasse sua relação, dizendo: Abalançar-se, Prestar, Trocar, Lembrar-se, Reconciliar-se, Conjurar-se, etc. Pois justamente se lhe perguntaria: Abalançar-se, a que? e se lhe responderia v. g. Aos perigos: Prestar, para que? Para muito: Trocar ouro, por que? Por prata: Lembrar-se, de que? Do tempo passado: Reconciliar-se, com quem? Com seus inimigos: Conjurar-se, contra quem? Contra a pátria.”1

            (2) “He fácil distinguir os verbos intransitivos dos transitivos; porque aos primeiros nunca se póde ajuntar a pergunta A quem; ou O que? E os segundos náo so a soffrem, mas pedem-a. por exemplo: Amo. A quem? A Deos. = Estimo. O que? A virtude. = Pertence. A quem? A mim. = Dou. O que? Hum livro. A quem? A Pedro. Quando porêm digo: Brinco, Saldo, Corro; ninguem tem direito para me pergunta O que? ou A quem?”2           

(3) “Chama-se assim toda palavra, ou oração, que he o primeiro termo, ou objeto, sobre que se exercita a acção do verbo activo; com a qual se responderia á pergunta O que? Como quando digo: Eu amo; se se me pergunta O que? e respondo a Deos? este substantivo Deos com a preposição a he o complemento objectivo do verbo Amo.”3

            1. BARBOZA, Jeronymo Soares, Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza, Academia das Sciencias, 1822, pág. 398; 2. BARBOZA, Jeronymo Soares, Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza, Academia das Sciencias, 1822, pág. 241; e 3. BARBOZA, Jeronymo Soares, Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza, Academia das Sciencias, 1822, pág. 396.

            (4) M. Said Ali, que usa porque e que únicos (pergunta e resposta) em sua gramática,  afirma que o “o” da locução “o que” surgiu como pronome demonstrativo, posteriormente perdeu a noção demonstrativa (a classificação como pronome demonstrativo), “passando elle a funcionar, nas interrogações indirectas, como um reforço do pronome que”. Afirma também que a locução “o que” estabeleceu-se mais por questão de ordem fonética:

Que tornara-se vocábulo átono ou quase átono; o que possuia accentuação forte, que conservou até hoje. Collocado no fim da frase, o interrogativo necessariamente tem de sobressair pela intonação; por isso o antigo que foi supplantado por o que nestas frases: Vais escrever o que? [por vais escrever que? – Via-se descer, romper, saltar... o que?... Nenhuma alteração requer o interrogativo que quando regido de preposição; esta, como palavra proclítica que é, basta para reviver a tonalidade amortecida dos pronomes: Escreves para quê? (ou para que escreves? Falarás de quê? Divertiram-se com quê? Dedicou-se a quê? (ou a que se dedicou? Em que consiste a falicidade? (ou a falicidade em que consiste?).”1

M. Said Ali incorre em cinco graves inconsistências: a) definição incorreta: o que sempre foi vocábulo átono como o me, te, se etc., o que nunca foi vocábulo tónico/tônico; quem já é átono, não se torna átono porque já é; b) contradições: ele afirma que o interrogativo que nenhuma alteração requer quando regido de preposição; esta, como palavra proclítica que é, basta para reviver a tonalidade amortecida dos pronomes, ou seja, a sua pronúncia não muda, mas quando cita os exemplos, viola o que ele mesmo afirmou, acentua com circunflexo os ques das locuções para que, de que, com que, a que deslocadas, conforme exemplos citados; ressaltamos ainda que ele usou a locução o que deslocada mas não a acentuou; c) omissão: acentuou os ques daquelas locuções mas não informou os motivos; é uma falta gravíssima ele não explicar aos seus leitores por que ele acentou os ques daquelas locuções deslocadas, principalmente porque o objetivo da sua gramática histórica, conforme ele mesmo afirma, é “traçar e explicar, primeiro que tudo, as diversas modificações por que passaram os phonemas de uma lingua no decorrer dos seculos” (p. 20); d) o artigo “o” é usado antes do interrogativo que por motivo de coesão, e não para enfatizar a tonalidade pois a pronúncia do que não sofre qualquer alteração: (1) “vais escrever, que?”, (2) “vais escrever, o que?” (o período (2) é mais coeso que o (1); a coesão do período (2) é a razão por que preferimos a locução o que); e) a tonalidade do que nunca na história da língua foi amortecida, o que sempre foi átono, as preposições, que são usadas antes do interrogativo que, não revitalizam ou não revivem sua tonalidade, apenas expressam as intenções do emissor: “para que escreves?” ou “escreves para que?” (interesse na finalidade), “com que se divertiram?” ou “divertiram-se com que?” (interesse no meio), “a que se dedicou?” ou “dedicou-se a que?” (interesse no assunto), e “em que consiste a felicidade?” ou “a felicidade consiste em que?” (interesse no assunto).

1. ALI, M. Said. Grammatica histórica da língua portugueza. São Paulo: Melhoramentos. 2ª Ed. Melhorada e augmentada (1º premio Francisco Alves de 1921 e de 1927, pág. 118, apud Coleção “gramáticas”, iel.unicamp.br, negrito nosso.

b) Eventuais mudanças nas pronúncias para enfatizar uma sílaba não acentuam as palavras:

(1) Trocar ouro, por que? Por prata. (2) Lembrar-se, de que? Do tempo passado. (3) Estimo, o que? A virtude. (4) Dou, o que? Um livro.

Nesses períodos as locuções interrogativas não são acentuadas quaisquer que sejam as suas pronúncias. Mesmo que alguém as pronuncie com as entoações mais extravagantes possíveis, não são acentuadas, porque segundo a língua portuguesa as palavras são acentuadas conforme as regras de acentuação, não são acentuadas segundo a entoação que eventualmente as pronunciamos. Se existisse essa regra, criaríamos uma confusão generalizada sobre a ortografia das palavras, pois para entoações diferentes seria necessário um acento para indicá-las.

Vejamos mais uns exemplos:

(1) “...mas carros estão matando taaaaantos insetos!...”1 (2) “Novo molho Marinara: Hummmm sabor incrível.” (Subway) (3) “O queeeee? Eu fiz isso, como assim?” (4)Uuuuuu queeeeee!!!” (5) Por que, Vasco ... por queeeee? (6) “Que cachorro o queeeee?” (7) “u queeeee, eu falei isso? (8)Ooooh Queeeee?????”. “Nooooossa”. “KEEP CALM Praaaaaa Queeeee?”2 (10) Oooooo queeeee!!! (11) “Não sei por queeee! Você também me chama de gostooooosa... E se ele tivesse me chamado de mocreeeeia?... Sóóóó me elogioooou!. Você chama isso de elogiiiio? E não fooooi?... Eeeeeu, benhêêêêê! O que foi que eu fiiiiiz?... Mas eu não fiz naaaaada, meu amooooor.”3

            Se é obrigatório acentuarmos o queeee, também é obrigatório acentuarmos as outras palavras destacadas, pois suas pronúncias mudaram exatamente como as pronúncias do que.

            1. Época, 758, pág. 86, 26.11.2012; 2. https://www.keepcalm-o-matic.co.uk, 5.12.2012, alterado; 3. SILVESTRE, Antônio, O Mala e o Vazio da Mala, pág. 125 e 126, apud https://books.google.com.br/books, 5.12.2012, alterado.

(4) por que o por quê e o porquê são acentuados?

Embora tenhamos nos aplicado bastante, não foi possível descobrirmos quem foi o autor da ideia de acentuar palavra substantivada. Conforme Antonio de Moraes, dicionário editado em 1813, alguns autores literários acentuaram antes dele o porque substantivado com acento grave (porquè), mas certamente porque foi o primeiro dicionarista que o acentuou, Antonio de Moraes, entre os dicionaristas, foi o principal responsável pela permanência do porquè substantivado acentuado, pois após o seu dicionário de 1813, salvo exceções, os outros dicionaristas também acentuaram o porque substantivado, não mais com acento grave como ele mas com circunflexo (porquê). Ressaltamos que é dever dos gramáticos e dos dicionaristas escreverem seus livros com absoluta imparcialidade, conforme as regras da língua, e não segundo suas próprias regras ou seus próprios caprichos, pois presumimos que o conteúdo de seus livros é a língua portuguesa.

            Destacamos ainda o parágrafo abaixo do dicionarista Antonio de Moraes, edição de 1789, no qual ele afirma que, quanto à ortografia, havia contrariado suas próprias opiniões: neste dicionário, ele não acentuou o porque com acento grave; na edição posterior, 1813, não existe o parágrafo abaixo e o porquè está com acento grave, portanto concluímos que neste dicionário, ele seguiu, observou suas próprias opiniões, ele acentuou o porquè com acento grave.

            “Quanto á orthografia que segui, declaro altamente, e de bom som, que a maior parte a figo contra o meu parecer e porque assim o querem. Eu sou pela Orthografia filosófica, a qual fundada na analise dos sons proprios ou vogais, na de suas modificações, pede que a cada hum se um so sinal, ou letra privativa, distinta, e que não represente nenhum outro som, ou consoante. Deste voto erão João de Barros (a) o Célebre Duclos (b) e o immortal Franklim tão abalisado na carreira Folosofica, e Politica, (c) cujos nomes aponto para confusão dos que não valem tanto como estes, nem como Tullio, e Cesar, que também grammaticárão (d).”1

            Entre os gramáticos, responsabilizamos principalmente o autor M. Said Ali, pois embora não tenha acentuado o “por que?” e o “o que?” interrogativos no fim de frase, acentuou sem motivo algum quatro locuções interrogativas (para quê?, de quê?, com quê?, a quê?) no fim de frases, que foram o primeiro passo para os gramáticos seguintes acentuarem tanto estas locuções como o por que interrogativo no fim de frase.

            Por que existem tantos porques? Certamente existem vários porques porque, até o Formulário Ortográfico de 1911, aprovado pelo governo de Portugal, por portaria em 1º de setembro, os assuntos ortografia e acentuação também estavam sob a responsabilidade dos gramáticos e dos dicionaristas, ou seja, se eles eram livres para usarem as palavras como quizessem, e se entre eles não havia unanimidade quanto à ortografia da palavra porque, certamente haveria vários porques, isto é, uns o escreveriam de uma forma, outros de outra, conforme constatamos naquela pesquisa.

            1. Diccionário da Língua Portugueza composto pelo padre-doutor Rafael Bluteau, reformado e accrescentado por Antonio de Moraes Silva, Lisboa, vol. 2, 1789, pág.IX, negrito nosso.

(5) Quais regras são aplicadas às locuções interrogativas e às conjunções?

Estabeleceram-se na língua portuguesa duas regras: a) nas perguntas os termos das locuções são separados, b) nas respostas os termos das locuções são juntos. As locuções geralmente são formadas por preposição e por pronomes (interrogativos, relativos ou indefinidos), exemplos:

            (1) Por que a língua portuguesa é complicada? (2) A língua portuguesa é complicada porque nós a complicamos. (3) Por quanto tu vendes teu wii? (4) Ele custou € 500 porquanto eu te vendo por € 400. (5) Por tanto dinheiro até eu venderia o meu wii. (6) “Bem dizia Descartes: penso portanto existo.” (7) Com quanto é necessário viajarmos a Portugal? (8) “A alma pode cantar conquanto os lábios permaneçam silenciosos.” (9) Com tanto estudo certamente serás aprovado. (11) “Várias teorias já foram propostas para a previsão de tremores contanto todas sem sucesso.” (10) Com tudo que ele tem é dever estar entre os melhores alunos. (11) “Uma bagana de cigarro não mata contudo incendeia uma floresta.”

Embora tenham a mesma origem latina (per quid, ou per quod), a locução interrogativa por que e a conjunção porque não são acentuadas porque são palavras homófonas, ou seja, possuem a mesma pronúncia porém grafia e significado diferentes, isto é, se o por que separado (locução interrogativa) não é acentuado (o que é monossílabo terminado por ditongo fechado portanto não é acentuado qualquer que seja sua classe de palavra), também o porque junto (conjunção) não será porque são aquelas mesmas palavras juntas, embora se lhe aplique a regra “as palavras oxítonas terminadas por “e” são acentuadas”, como as palavras comitê, comitês, mercê, mercês, poraquê, poraquês, etc. Seria um fator complicador à língua haver um por que separado sem acento e um porquê junto acentuado. O por que e o porque são mais simples e cumprem totalmente suas funções na língua.

Texto do período em que os termos das conjunções eram separados: “Quanto adj. Que preço, que somma, que quantidade? O que, tudo o que: como adv, relativamente pelo que diz respeito. Com quanto posto que. Por quanto visto que. Em quanto, entre tanto, atè que.”1

            1. Pinto, Luiz Maria da Silva, Diccionario da Lingua Brasileira, Typographia de Silva, 1832, pág. 882, apud brasiliana.usp.br.

            (6) acordos ortográficos:

            Certamente o que mais desejamos é: quais regras os Acordos Ortográficos estabeleceram sobre o porque e sobre o que? De nada valeria essa pesquisa se os Acordos Ortográficos estabelecessem os 4 (quatro) atuais porques e os 2 (dois) ques, pois fundamentados ou não na língua portuguesa, seus usos seriam obrigatórios, pois nossos representantes os elaboram e os transformam em leis.

            Realizamos pesquisa minuciosa naqueles documentos e nos Formulários Ortográficos, e encontramos normatizações sobre aquelas palavras somente em 2 (dois) documentos:

·  Formulário Ortográfico de 1911, aprovado em Portugal, por portaria de 1º de setembro de 1911:

            “Base XXIX [acento gráfico para distinção de homógrafos]:

            Diferençar-se hão pelo acento agudo os seguintes vocábulos: pára, verbo, de para, preposição; pélopéla, de pêlo substantivo, e de pelopela (per loper laper oper a); pólo, substantivo, de polo (forma antiquada, em vez de pelo); e pelo circunflexo, pêra, de pera, forma antiga e popular da proposição paraquê, de que proclítico, átono; cômo, verbo, de como, partícula. Pelo agudo se diferençará a forma do pretérito, louvámos, da do presente, louvamos.”1

            Dois ques são normatizados no Formulário:

            a) quê no fim de frases interrogativas: “Via-se descer, romper, saltar, o quê?”

            b) que nas frases interrogativas, antes do verbo: “Que via-se descer, romper, saltar?”

            O por que no fim de frases e o porque e o que substantivados não foram normatizados nesse Formulário, portanto não existe qualquer obrigatoriedade de os portugueses acentuarem a locução interrogativa por que, quando ela está no fim de frase, e de acentuarem a conjunção porque e o pronome relativo que, quando eles forem substantivados. As regras daquele Formulário vigoraram apenas em Portugal e em suas então Colônias.

            (1) A língua portuguesa é complicada, por que?

            (2) “Não sei o porque mas gosto de personagens difíceis.”

            (3) “Armandinho pincela ‘Volume 5’ com um que de rock.”

·  Formulário Ortográfico de 1943, aprovado no Brasil, pela Academia Brasileira de Letras (ABL), em 12 de agosto de 1943:

XII – Acentuação gráfica:

14ª - Emprega-se o acento circunflexo como diferencial ou distintivo no e e no o fechado da palavra pôde (perf. ind.), distinta de pode (pres. ind.).

Observação. - Emprega-se também o acento circunflexo para distinguir de certos homógrafos inacentuados as palavras que têm e ou o fechados: pêlo (s. m.) e pelo (per e lo); pêra (s. f.) e pera (prep. ant.); pôlo, pôlos (s. m.) e polo, polos(por e lo ou los); pôr (v.) e por (prep.); porquê (quando é subst. ou quando vem no fim da frase) e porque (conj.); quê (s. m., interj., ou pron. no fim da frase) eque (adv., conj., pron. ou part. explicativa).”2                       

Dois porques foram normatizados segundo esse Formulário:

·   porque: no início ou no meio de “frases interrogativas diretas ou indiretas” e como “conjunção” nas orações explicativas ou causais:

a) no início ou no meio de frases interrogativas diretas ou indiretas:

           (1) porque a língua portuguesa é complicada?

         (2) Não sei porque bloquearam meu cartão magnético.

            b) como conjunção nas orações explicativas ou causais:

            (1) Está muito calor porque o ar-condicionado está danificado.

            (2) As ruas estão alagadas porque choveu muito.

·   porquê: no fim de “frases interrogativas diretas ou indiretas” e como “conjunção substantivada” (significa causa, motivo, razão):

            a) no fim de frases interrogativas diretas ou indiretas:

            (1) A língua portuguesa é complicada, porquê?

          (2) “Bloquearam meu cartão magnético”, não sei porquê.

            Ressaltamos: a) que na língua portuguesa não existe razão objetiva para afirmarmos que o porque é acentuado, quando ele é deslocado para o fim da frase, ou quando o último termo da frase é deslocado para o início; sobre os deslocamentos das palavras e sobre suas respectivas pronúncias, já tratamos na “Observação” anterior, alíeas “a” e “b”; e b) que o Formulário de 1943 criou um sétimo porque: até então não havia porquê (junto e acentuado) no fim de frases interrogativas diretas ou indiretas, nos autores pesquisados e nem mesmo em outros autores. Também não imaginemos que esse porquê foi um erro de digitação ou um lapso, o Formulário foi aprovado unanimemente por aproximadamente seis membros ABL, portanto conscientemente eles o estabeleceram.           

            b) como conjunção substantivada:

         (1) Existem um porquê para explicar.

c) não definiram no formulário mas subentende-se que o porque no início ou no meio de frases interrogativas diretas e indiretas é junto e sem acento:

            (1) Porque a língua portuguesa é complicada?

          (2) Não sei porque bloquearam meu cartão magnético.

·  Acordo Ortográfico de 1945, assinado em 6 de outubro de 1945, por representantes da ABL e por representantes da Academia das Ciências de Lisboa (ACL):

Base XXII: regula o uso do acento circunflexo diferencial em ‘dêmos’, ‘pôde’ e dispensa o uso do acento diferencial, excepto as expressamente trazidas no texto do Acordo, em substantivos e verbos homógrafos mas não homófonos;”

Base XVIII: uso do acento agudo diferencial em ‘pára’, ‘péla’, ‘pélo’ e ‘pólo’;”

homógrafos heterófonos: são palavras que possuem a mesma grafia, mas pronúncias e significados diferentes: ex.: péla: verbo; pela: preposição; pélo: verbo; pelo: substantivo ou preposição; pólo: substantivo.

homógrafos homófonos: são palavras que possuem a mesma grafia e a mesma pronúncia mas significados diferentes: ex.: pôr, verbo e por, preposição; pára: verbo; para: preposição.

Esse Acordo não aborda os porques e os ques, mas subentende-se que a Base XXII elimina três vezes os acentos dessas palavras:

a) dispensa o uso do acento diferencial (texto em negrito);

a) não cita expressamente o porquê e o quê como exceções, entre as palavras citadas;

b) as exceções citadas expressamente no Acordo são homógrafos não-homófonos (=  homógrafos heterófonos), como as palavras: péla, pela, pélo, pelo; o porque e o que são homógrafos homófonos: mesma grafia e mesma pronúncia, ou seja, estão totalmente fora das exceções.

O Acordo Ortográfico de 1945 foi aprovado no Brasil pelo Decreto-Lei nº 8.286, de 5 de dezembro de 1945, mas foi revogado pela Lei nº 2.623, em 21 de outubro de 1955, que restabeleceu a vigência do Formulário Ortográfico de 1943.

·  Acordo Ortográfico de 1990: “BASE VIII

                DA ACENTUAÇÃO GRÁFICA DAS PALAVRAS OXÍTONAS

            3º) Prescinde-se de acento gráfico para distinguir palavras oxítonas homógrafas, mas heterofónicas/heterofônicas, do tipo de cor (ô), substantivo, e cor (ó), elemento da locução de corcolher (ê), verbo, e colher (é), substantivo. Excetua-se a forma verbal pôr, para a distinguir da preposição por.”2

            Conforme observamos, o Acordo de 1990 extingue os acentos diferenciais de todas as palavras oxítonas, ou seja, os acentos diferenciais usados conforme o Formulário de 1911, o Formulário de 1943 e o Acordo de 1945 foram extintos, salvo o acento de uma oxítona, o verbo pôr, para se distinguir da preposição por. Se o Acordo cita uma exceção, não existe outra, ou seja, o porque substantivado não é exceção à regra, não é acentuado.

            Ressaltamos que a função do acento circunflexo não é substantivar palavras e não é indicar que determinadas palavras foram substantivadas. Se nosso desejo é substantivar palavras que não são substantivos, não é necessário sequer pensarmos em acento circunflexo, é suficiente apenas as usarmos com função sintática própria de substantivo. O porque e o que são substantivos se exercem funções sintáticas próprias dos substantivos, mas como as demais palavras não são acentuados.

  • O Guia de Bolso da Câmara dos Deputados interpretou corretamente aquele parágrafo:

     “Permanece o acento diferencial:

    1) Nas duplas:

     - pôde/pode

     Ex.: Ontem, ele não pôde sair mais cedo, mas hoje ele pode.

     - pôr/por

      Ex.: Vou pôr o livro na estante que foi feita por mim.”3

Há várias objeções contra a validade do Formulário Ortográfico de 1943, especialmente quanto à observação feita na Cláusula 14ª:

a) era Formulário unilateral: foi aprovado apenas pela Academia Brasileira de Letras, sequer foi sancionado pelo presidente da República ou pelo presidente do Congresso Nacional, portanto não é lei perante os brasileiros, muito menos perante os 7 (sete) países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP);

b) não é possível duas regras opostas vigorarem simultaneamente: a “Observação” do Formulário de 1943 e o parágrafo 3º do Acordo de 1990, naturalmente que este, que é internacional, se sobrepõem àquele, que é nacional, em todos os assuntos, na verdade, aquele é revogado automaticamente;

c) A validade do Formulário Ortográfico de 1943, se ainda valesse, limitar-se-ía apenas ao Brasil, a validade do Acordo Ortográfico de 1990 aplica-se aos 8 (oito) países da CPLP, porque foi assinado pelos seus representantes;

d) Se a “Observação” da “Cláusula 14ª ainda vigora no Brasil, ela aumenta a confusão sobre os porques, pois cria um 5º porque: o porquê junto e acentuado no fim de frases interrogativas;

e) Os acentos diferenciais eram usados para distinguir duas palavras com mesma grafia, mas com prunúncias diferentes, como pélo (verbo) e pelo (preposição). Como não existem dois porques e dois ques, p. ex., o substantivo porque e a conjunção porque , e o substantivo que e o pronome que, existe apenas a conjunção porque e o pronome que, que eventualmente são substantivados, não há motivo para o porque e o que estarem inclusos na “Observação do Formulário de 1943”;

f) O porque e o que não são reis para receberem uma coroa, quando são substantivados. Se não acentuamos as outras palavras quando são substantivadas, p. ex., os advérbios sim e nada, os pronomes me e tudo¸ os verbos comer e viver etc., também o porque e o que não são acentuados quando são substantivados;

g) Se os 4 (quatro) porques e os 2 (dois) ques atuais são tão importantes à Academia Brasileira de Letras, por que ela não os incluiu no Acordo de 1945 ou no Acordo de 1990, pois aproximadamente 6 (seis) membros participaram da elaboração desses acordos? Se ela não os incluiu naquelas oportunidades, não há mais o que discutir, é dever apenas observar as normas que estão expressas no atual Acordo;

h) Ressaltamos ainda que, conforme pesquisas nos acordos e nos formulários ortográficos, jamais foi estabelecida nesses documentos qualquer norma que obrigue a acentuação de locuções interrogativas deslocadas para o fim de frases como: por quê, de quê, para quê, com quê, a quê, o quê etc., portanto não é necessário as acentuarmos, na verdade, quem as acentua viola princípios da língua portuguesa, conforme anteriormente expressos;

i) O uso do vocábulo porque na linguagem escrita está gravemente afetado: os falantes pensam várias vezes antes de escrevê-lo, na verdade, até o substituem por outra palavra, pois como são vários, não sabem qual deles usar. É muito lamentável haver uma palavra importantíssima na língua, mas que é evitada na escrita por causa do excesso de regras não-fundamentadas sobre ela;

j) O Acordo Ortográfico de 1990 é claro com relação aos acentos diferenciais: claramente extingue todos, salvo os acentos de pôde/pode e de pôr/por.

l) Para evitar formulários ortográficos unilaterais, como aquele de 1943, foi aprovado na Convenção Ortográfica entre o Brasil e Portugal, em 29 de dezembro de 1943, art. III, que nenhuma providência legislativa ou regulamentar, sobre ortografia, será doravante posta em vigor, por qualquer dos dois Governos, sem prévio acordo com o outro, depois de ouvidas as duas Academias.

1. https://www.portaldalinguaportuguesa.org/acordos ortográficos, 17.2.2013; 2. https://www.portaldalinguaportuguesa.org, 17.2.2013; 3. Reforma Ortográfica, Guia de Bolso, Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados apud https://bd.camara.gov.br, 17.2.2013, negro nosso.

            (6) conclusões:

            Conforme as gramáticas consultadas constatamos:

a) que o porque inicialmente não era acentuado, Jeronymo Soares, edição 1822, não acentuou o porque substantivado ((13)O amor não está no por isso, está no porque).”, e não acentuou o por que interrogativo deslocado ((4)Aonde vás tu? Porque?”), e M. Said Ali citou o texto “– Sabe, estou com idéa de mudar de casa. – Mudar de casa! Ora essa! Por que?”1 (E. de Queiroz);

b) que o único gramático que acentuou o porque e o que substantivados foi Francisco Evaristo Leoni, obra editada em 1858, “o sim e o não; o quê e o porquê”;

c) que os gramáticos não possuíam um referencial, usavam o por que e o porque segundo suas próprias ideias, por esse motivo as divergências entre eles eram gigantescas;

d) que entre os gramáticos, João de Barros, o primeiro gramático, 1540, foi o único que usou o por que interrogativo segundo a língua portuguesa, Jeronymo Soares, 1822, Francisco Evaristo, 1858, Julio Ribeiro, 1899, e M. Said Ali, 1931, usaram porque como interrogativo.

            Segundo os dicionários analisados observamos:

a) que o porque inicialmente não era acentuado, Raphael Bluteau, 1720, citou orações substantivadas com o que não-acentuado (Hum naó sey que. Aquele naó sey que. Que aperto naó deyxa perder de vista huns naó sey ques, que a alma sente?), Antonio de Moraes, nas edições 1789 e 1813, não o acentuou (Os parques isto é as causas; sem porque: “ferir, matar sem porque”, isto é, sem razão, causa, motivo), mas citou exemplos de autores literários que o acentuaram com acento grave (“Segundo cá os vossos romances, e porquès”; “em huns porquès, que alguns praguentos fizerão na India”);

b) que o único dicionarista que acentuou o porque substantivado foi Domingos Vieira, edição 1873: “os porquês, sem porquê”;

c) que semelhantemente os dicionaristas não possuíam um referencial, usavam o porque segundo suas próprias ideias, por essa razão as divergências entre eles eram gigantescas;

d) que as maiores divergências entre os dicionaristas ocorreram com o por que interrogativo: Raphael Bluteau, 1720, usou porque; Antonio de Moraes, em 1789, usou porque e, em 1813, usou porquè; Luiz Maria, 1832, usou porque; e Domingos Vieira, 1873, usou porquê, ou seja, quatro autores = três porques interrogtivos: porque, porquè e porquê, isto é, a afirmação que fizemos, “os autores acentuavam os porques segundo suas próprias idéias”, está confirmada por esta pesquisa, e é corroborada pelo estudo realizado pela Sra. Ana Paula Fernandes, cujo primeiro parágrafo citamos:

            “Este trabalho destina-se a abordar aspectos da história da ortografia do português do Brasil nos séculos XV, XVI, XVII, XVIII, XIX e XX. Farei uma comparação entre aspectos ortográficos do português do Brasil e o português de Portugal, inclusive sob as perspectivas de alguns autores renomados na língua. Assim, o substrato foi um fenômeno de grande importância – influência de um determinado povo ou grupo dominado na formação do léxico de uma língua. Algumas vezes, não houve uma conformidade nos aspectos ortográficos e, por isso, precisou-se firmar os chamados Acordos Ortográficos a fim de tentar estabelecer um consenso, visto que cada autor tentava exprimir seu ponto de vista de maneira aleatória. Tudo que tratarei aqui se refere a tais divergências, a fim de se chegar a um contraponto que beneficie a todos os envolvidos neste processo”2

            1. E. de Queiroz, Crime, 133, apud p. 104; 2. Fernandes, Ana Paula, A História da Ortografia do Português do Brasil, apud https://www.filologia.org.br, 18.12.2012, negrito nosso.

            Encontramos 6 porques entre os autores pesquisados: por que, per que, por quê, porque, porquè e porquê.

            Considerando (a) que segundo a língua portuguesa, no período, as palavras são substantivadas se exercem funções sintáticas próprias dos substantivos, (b) que o acento circunflexo não substantiva as palavras, (c) que os deslocamentos de locuções interrogativas ou exclamativas, inclusive para o fim de frases, não acentuam palavras, (d) que as locuções interrogativas o que, por que, para que, de que, a que, com que  etc. deslocadas para o fim de frases realizam integralmente suas funções interrogativas, (e) que o acento circunflexo que usamos nessas locuções deslocadas para o fim de frase é totalmente desnecessário e viola princípios fundamentais da língua, (f) que os dois porques acentuados (por quê e porquê) não acrescentam nada à língua, pelo contrário, apenas dificultam demasiadamente o uso da locução por que e da conjunção porque, (g) que a eliminação dos porques acentuados, principalmente porque não estão fundamentados na língua portuguesa, compatibiliza-se com as regras do novo Acordo Ortográfica, ou seja, elimina acentos diferenciais, simplifica a ortografia; (h) que a eliminação desses porques atende um clamor da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que está abandonando o estudo da língua portuguesa, porque não suporta mais o exagerado número de regras e de exceções (todas desnecessárias, ou contraditórias ou não-fundamentadas na língua); (i) que o uso daqueles seis porques, e atualmente dos quatro, os representantes da CPLP jamais sancionaram por meio de acordo ortográfico, nem mesmo houve decisão unilateral de qualquer país; (j) que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa consagrou sabiamente duas regras para o uso das locuções interrogativas: primeira regra: nas perguntas os termos das locuções são separados para informarem que a entoação é interrogativa (?), segunda regra: nas respostas os termos das locuções são juntos para indicarem que a entoação é normal; (k) que os autores mais antigos não acentuavam os porques e o que; (l) que a locução interrogativa por que, a conjunção porque e o pronome que são plenamente suficientes para expressarmos nossas ideias, concluímos: dois porques e um que apenas estão fundamentados na língua portuguesa: a locução interrogativa por que para perguntas diretas ou indiretas, a conjunção porque para respostas (orações explicativas e orações causais) e o pronome que para orações adjetivas, orações substantivas etc.; a conjunção porque e o pronome que serão substantivos se exercerem funções sintáticas próprias dos substantivos, mas como as demais palavras não-substantivas, não são acentuadas.

            (1) “– Sabe, estou com idéa de mudar de casa. – Mudar de casa! Ora essa! Por que?” (2) “Uma explicação é algo sempre incompleto porque sempre é possível suscitar outro porque.”1

            Em (1) a entoação interrogativa está clara, todos sabemos que o por que é locução interrogativa; em (2) o período também está claro, não há qualquer ambiguidade, todos o compreendem; quem sabe língua portuguesa sabe que o porque foi substantivado; acentuar palavras substantivadas, criar regras desnecessárias e contrárias à língua, dificultar demasiadamente o estudo, para expressar o óbvio, o que já está claríssimo, não é racional.

            Resumo: usos dosporques e doque”:

            dois porques e um que estão fundamentados na língua portuguesa:

            (a) por que (para perguntas diretas ou indiretas): (1)Por que sonhamos quando dormimos?”2 (2) “Sonhamos quando dormimos por que?” (3) “TeleCheque: Saiba  por que, aqui, seus cheques são bem-vindos.”;

(b) porque (para respostas): (1) A reciclagem protege o ambiente porque ela reutiliza os resíduos sólidos;

(c) porque (substantivado): (1) “Há um porque para tudo.” (2) João de Barros, o primeiro gramático, usou apenas dois porques.

            (d) que (pronome relativo): “Descubra Portugal, o país que vale por mil.”; (b) que (pronome interrogativo): “Que é sustentabilidade?” “Sustentabilidade é o que?”; (c) que (substantivado): “Os ques que existem dentro do meu eu.”4

As locuções interrogativas de que, para que, a que, o que etc. não são acentuadas quaisquer que sejam suas posições na frase, e são separadas por vírgula apenas se nosso desejo é enfatizá-las:

(1) “O sentido do texto depende de que?”3, ou (2) O sentido do texto depende, de que? ou (3) De que o sentido do texto depende? (Interesse no objeto indireto do verbo depender).

            Encerramos este “capítulo” com o antepenúltimo parágrafo da pesquisa realizada pela Sra. Ana Paula Fernandes, com o qual concordamos totalmente:

“Apesar de estarmos acostumados com a grafia complicada de algumas palavras, muitas vezes as encontramos escritas erradamente, nos fazendo questionar se realmente vale a pena ainda a existência de tantas palavras com o mesmo fonema mas com grafia diferente, ou se já não seria a hora de se descomplicar o nosso Português, de forma que não houvessem tantas palavras faladas de forma igual e escritas de forma tão diferente, pois quem as escreve nem sempre possui um acesso a regras e bibliografias que citam o estudo da origem de determinadas palavras. O caso não seria uma mudança radical, apenas uma descomplicação, tornando mais fácil a escrita de palavras de uso corriqueiro.”5           

            1. Popper apud https://scm2000.sites.uol.com.br/espiritocientifico, 10.3.2012, alterado; 2. yahoo.com; 3. Professores autores, Ensino Médio 1º Ano, Módulo 2, Língua Portuguesa, Editora Universo, pág. 8, 2012;   4. xceisax.blogspot.com, 8.2.2012; 5. Fernandes, Ana Paula, A História da Ortografia do Português do Brasil, https://www.filologia.org.br, 18.12.2012.

Fonte: SILVA, Cláudio Rodrigues da, Língua Portuguesa DescomplicadaTeoria e Prática, publicação independente, 2012, pág. 350. Todos os direitos reservados, última alteração em 16.3.2013.

“Língua Portuguesa Descomplicada”, a semente do amor à língua em tua mente”

 

 

 

 

 

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